- Desenvolvimento de Software
A acessibilidade digital deixou de ser apenas um requisito técnico e se tornou um diferenciador estratégico para produtos digitais. No Brasil, 14,4 milhões de pessoas têm algum tipo de deficiência, 32,1 milhões são pessoas idosas e 11,4 milhões são pessoas analfabetas, um recorte populacional que reforça a necessidade de experiências digitais realmente inclusivas.
Em um mercado competitivo, garantir acessibilidade significa não só cumprir normas, mas também ampliar mercado, reduzir riscos e fortalecer reputação. Nesse cenário, os testes de acessibilidade assumem um papel essencial para que produtos atendam de fato às necessidades reais dos usuários.
Para gestores e líderes de tecnologia, compreender como aplicar testes de acessibilidade — Manuais, Semiautomatizados e Automatizados — é fundamental para criar produtos escaláveis, eficientes e sustentáveis.
Neste guia, apresento práticas, ferramentas e formas de integrar a acessibilidade ao ciclo de desenvolvimento, evidenciando seu impacto direto na qualidade e na competitividade digital.
A acessibilidade digital vai muito além de “ajudar quem tem alguma deficiência”, mas sim permitir, por meio de produtos digitais, que qualquer pessoa possa ter acesso total à web e interagir de forma autônoma.
Esse conceito está diretamente conectado à experiência do usuário (UX). Afinal, quando barreiras são removidas, mais pessoas conseguem navegar, compreender e concluir tarefas com eficiência e sem frustração.
Mais do que cumprir normas ou adotar boas práticas, investir em acessibilidade digital significa reconhecer a diversidade humana como parte central do processo de desenvolvimento. Quando entendemos que cada pessoa interage com a tecnologia de maneiras distintas, percebemos que a experiência digital precisa ser flexível, inclusiva e adaptável desde a sua concepção.
Do ponto de vista estratégico, a acessibilidade contribui para retenção de usuários, aumento de conversão, expansão de público e fortalecimento de marca. Ao eliminar barreiras, empresas demonstram comprometimento com inclusão, diversidade e equidade, valores cada vez mais valorizados por clientes, colaboradores e parceiros.
Para o Embaixador do Movimento Web Para Todos e Membro do GT de Acessibilidade do W3C Brasil, Diego Conceição, é essencial compreender que usabilidade e acessibilidade são coisas diferentes.
“Não projetamos para deficiências, projetamos para modos de interação. A exclusão digital acontece na arquitetura da informação. Afinal, se um produto não foi pensado para incluir, ele foi, acidentalmente, projetado para excluir”.
Teste de acessibilidade é o processo destinado a garantir que produtos digitais possam ser utilizados por todas as pessoas, independentemente de suas capacidades motoras, cognitivas, auditivas ou visuais.
Seu propósito vai além de cumprir um checklist técnico: trata-se de assegurar que qualquer usuário tenha autonomia para navegar, consumir e interagir com o sistema, inclusive por meio de tecnologias assistivas como leitores de tela, navegação por teclado ou comandos por voz.
Embora muitas vezes seja associado apenas à etapa final de garantia de qualidade, o teste de acessibilidade é, na verdade, uma responsabilidade compartilhada ao longo de todo o ciclo de desenvolvimento.
Inicia-se em Design e Produto, onde são validados os contrastes, fluxos e requisitos. Segue para Desenvolvimento, etapa em que Desenvolvedores garantem a semântica correta do código e o preenchimento adequado de todas as tags de acessibilidade.
Por fim, o QA verifica os critérios de acessibilidade com base na WCAG, confirmando se a experiência planejada e implementada realmente atende a todos os usuários.
Nesse sentido, é importante diferenciar os tipos de verificação:
Empresas digitalmente maduras incorporam essas práticas de forma contínua porque entendem que acessibilidade não é um complemento, mas um pilar essencial de qualidade, sustentabilidade e eficiência dos seus produtos digitais.
Mais do que uma prática de desenvolvimento e design, existem leis e normas que asseguram padrões mínimos de acessibilidade, como a WCAG, o eMAG e a Lei Brasileira de Inclusão (LBI).
A WCAG, criada pelo W3C (World Wide Web Consortium), é o padrão internacional que estabelece um conjunto de critérios técnicos (Percebível, Operável, Compressível e Robusto), que orientam a criação de uma web verdadeiramente acessível.
Embora a WCAG seja referência global, no Brasil foi desenvolvido pelo Governo Federal o eMAG (Modelo de Acessibilidade em Governo Eletrônico). Ele atua como um guia nacional de melhores práticas, funcionando como uma “tradução” da WCAG, pois simplifica critérios mais complexos, organiza recomendações mais acessíveis e facilita a aplicação no contexto brasileiro.
Com essas normas e padrões, a acessibilidade no Brasil deixou de ser apenas uma “boa prática” e passou a ser uma exigência legal com a criação da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência.
Diante desse cenário, podemos entender que a WCAG é a nossa bússola (define o que precisa ser feito globalmente), o e-MAG é o guia de campo (orienta o passo a passo prático) e a LBI é o mapa obrigatório (define o que deve ser cumprido legalmente no Brasil). É com base nessa estrutura que planejamos e executamos cada etapa do teste de acessibilidade.
De acordo com Diego, “em times de produto precisamos falar de acessibilidade com propriedade jurídica. Ou seja, refletir sobre a exclusão digital deve ser uma preocupação e responsabilidade de todos”. O especialista reforça que acessibilidade não é apenas um requisito técnico, mas um princípio que orienta decisões e garante inclusão para todos os usuários.
Garantir que a acessibilidade digital atende os critérios exigidos requer a combinação de diferentes abordagens. Embora métodos ideias, como o pair testing com pessoas com deficiência sejam recomendados, iremos focar nos três modos operacionais mais comuns no dia a dia das equipes de desenvolvimento.
Teste Manual
Os casos de teste são criados diretamente a partir dos critérios da WCAG, e as principais validações incluem:
Teste Semiautomatizado
Ferramentas como WAVE, axe DevTools e Lighthouse verificam páginas com base nas regras da WCAG e conseguem identificar de 30% a 50% dos problemas de acessibilidade, auxiliando na triagem rápida de erros recorrentes.

Teste Automatizado
Frameworks como Cypress, integrados à biblioteca axe-core, funcionam como “robôs” que analisam o código da página, verificam a presença de atributos e identificam inconsistências com boas práticas de acessibilidade. Por exemplo: checar se todos os botões têm labels acessíveis ou se imagens possuem texto alternativo.

Diante da variedade de ferramentas disponíveis no mercado, destacarei algumas das opções mais conhecidas:
Axe: uma das soluções mais utilizadas no mundo da acessibilidade e também base para muitas outras ferramentas. É leve, rápido e amplamente adotado tanto por QAs quanto por Desenvolvedores. Pode ser usado como extensão de navegador para testes semiautomatizados ou integrado a frameworks de automação.
Wave: É uma das ferramentas mais didáticas do mercado. Diferente das demais, traz uma abordagem visual, apresentando ícones diretamente na página para destacar problemas de contraste, estrutura e textos alternativos.
Seu uso é simples: basta acessar o site, colar a URL da página e visualizar os resultados. É ideal para equipes iniciantes em acessibilidade e para treinamento de Designers, pois é gratuita, intuitiva e dispensa conhecimento de código.
Lighthouse: ferramenta nativa do google, disponível no DevTools, muito rápida e fácil de usar. Além de avaliar acessibilidade, verifica também performance e SEO da página, gerando um relatório com pontuação de 0 a 100.
É excelente para diagnósticos iniciais sem custos, porém, requer cautela, pois não captura todos os erros.
Ferramentas para mobile: por terem estrutura diferente da web, aplicações móveis exigem ferramentas específicas.
Cypress + plugins de acessibilidade: além do Cypress, existem diversas ferramentas no mercado que integram com a biblioteca Axe. O diferencial aqui é que, diferente dos scanners “estáticos”, os scripts automatizados permitem testar acessibilidade em fluxos reais (ex: fazer login). Os comandos são simples e possibilitam validar páginas ou componentes específicos automaticamente.
Para equipes que buscam escala, esta é a melhor opção. Embora exija mais maturidade em qualidade, garante integração contínua (CI/CD), evitando que bugs cheguem à produção e reduzindo custos de retrabalho.
Diante de todas essas ferramentas, o segredo é a combinação delas com a maturidade da equipe. Por exemplo, times iniciantes podem começar com soluções mais simples e de menor curva de aprendizado; já equipes mais experientes podem incorporar automação para garantir consistência no código.
E, claro, sempre dedicar tempo para testar a usabilidade real: navegação por teclado, leitores de tela e contraste.
Quando falamos em mobile, o cenário muda: a acessibilidade em dispositivos móveis é diferente por conta da tela menor e da interação feita por toque. Os principais desafios são:
Com base nas falhas mais frequentes, é possível agrupar os erros em quatro categorias críticas:
Esses são apenas alguns dos bugs de acessibilidade mais frequentes em produtos digitais.
Para monitorar e gerir a evolução dos produtos, recomenda-se acompanhar:
Integrar acessibilidade ao SDLC (ciclo de desenvolvimento de software) significa tratá-la como parte essencial do produto, e não como etapa final. Isso começa no Discovery, garantindo que requisitos inclusivos sejam considerados desde o início.
Um Design System acessível assegura consistência, reduz retrabalho e orienta boas práticas. Durante a implementação, pipelines de CI com testes automatizados ajudam a identificar falhas precocemente, enquanto critérios de aceitação acessíveis no backlog orientam entregas mais claras e testáveis.
A Inteligência Artificial também tem espaço nesse processo. Ela é utilizada de forma coordenada entre os times de Qualidade, Produto, Desenvolvimento e Arquitetura, sempre com foco em testes mais eficazes, entregas mais confiáveis e geração de valor para o cliente.
Assim, acessibilidade deixa de ser um esforço isolado e passa a ser parte natural e contínua do ciclo de desenvolvimento.
A acessibilidade não deve ser vista apenas como exigência técnica ou legal, mas como um pilar estratégico que conecta inovação efetiva, qualidade e competitividade. Em um mercado cada vez mais diverso e dinâmico, produtos acessíveis se destacam por oferecer experiências mais consistentes, inclusivas e preparadas para escalar.
Ou seja, investir em testes de acessibilidade é garantir que as soluções atendam a todos os usuários, ampliando alcance, reduzindo barreiras e fortalecendo a inclusão digital. No fim, a mensagem é simples: produtos acessíveis são produtos melhores.
Ao adotar práticas de acessibilidade desde a concepção, criamos interfaces mais funcionais e um ecossistema digital mais justo e inovador, onde ninguém fica para trás.
Abaixo respondemos algumas das principais dúvidas sobre testes de acessibilidade.
É o processo de verificar se um software, site ou aplicativo pode ser utilizado por pessoas com diferentes tipos de deficiência (visuais, auditivas, motoras ou cognitivas).
O ideal é combinar testes manuais, semiautomatizados e automatizados. Além do uso de tecnologias assistivas e verificação de conformidade com normas como a WCAG.
São diretrizes e padrões, como a WCAG, que orientam o desenvolvimento de produtos digitais para garantir acesso a todos os usuários.
Aplicar boas práticas desde o design, usar código semântico, oferecer alternativas de conteúdo, garantir contraste adequado, testar com ferramentas e tecnologias assistivas e seguir as diretrizes da WCAG.
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