- Diversidade
Em 28 de junho de 1969, um bar na cidade de Nova York foi palco para um acontecimento histórico. Stonewall, frequentado por pessoas da comunidade LGBTI+, era um local que recebia constantes ataques violentos da polícia e, nesse dia, viu seu público cativo se revoltar. O confronto entre pessoas e polícia foi tão duro que resultou, nos dias seguintes, em diversas manifestações populares contra qualquer forma de discriminação e preconceito.
Esse evento ficou conhecido como A Rebelião de Stonewall, e a data tornou-se o Dia Internacional do Orgulho LGBTI+. Por isso, neste mês de junho, convidamos o jornalista Gabriel Galli, mestre em Comunicação e ativista da ONG Somos, para conversar com nossas pessoas colaboradoras sobre diversidade sexual e de gênero, com o objetivo de refletir a respeito de como podemos criar ambientes mais acolhedores para as pessoas LGBTI+.
Em tempo: essa é a terceira palestra proposta pelo Comitê de Diversidade e Inclusão da SoftDesign. Já recebemos a advogada Bruna Fernandes Marcondes, que falou sobre Racismo à Brasileira; e a professora Sílvia Amélia Bin, que explorou o tema As Mulheres na TI.
Galli começou sua palestra com uma provocação: perguntou às pessoas colaboradoras quais eram os seus privilégios. Consciente de que o termo pode ser recebido por muitos com incômodo – pois pode ser entendido como sinônimo de prioridade – explicou:
“Falar sobre privilégios é um pontapé inicial para entendermos por que precisamos ter momentos de reflexão e diálogo sobre diversidade sexual, racismo, machismo e tantas outras coisas. Privilégio não é um processo de culpa. Quando falamos nesse termo, estamos tratando de uma questão muito específica sobre ter ou não acesso a uma série de espaços na nossa sociedade”.
O jornalista mostrou às pessoas colaboradoras da SoftDesign um retrato do perfil populacional do Brasil, com dados do último Censo do IBGE realizado em 2017.
Com base nessas características, se estabelecêssemos um perfil médio da população brasileira, os locais que frequentamos deveriam ser compostos em sua maioria por mulheres negras, de classes C, D ou E, com Ensino Médio completo e sem Graduação. Elas teriam até 16,6% de chances de serem analfabetas, e 37% de chances de não terem acesso à rede de esgoto.
Mas os locais que frequentamos não são assim. Galli explicou que, em geral, o perfil das pessoas do lugar no qual trabalhamos e com quem nos relacionamos é muito segmentado. Em empresas como as de tecnologia, por exemplo, que exigem um nível de estudo acadêmico maior, não é comum enxergar esse perfil.
“Isso significa que aconteceu alguma coisa no nosso país, aconteceu algo no mundo, que faz com que certas pessoas acessem alguns espaços e outras não. Com base em ciência e pesquisas sociológicas podemos afirmar que isso é uma consequência do racismo estrutural, do machismo, da transfobia, da LGBTfobia e de tantas outras questões que permeiam as nossas vidas e que se relacionam à forma como nos conectamos com outras pessoas”, salientou o jornalista.
Mas o que podemos fazer sobre isso? Precisamos entender que a partir do momento em que não fazemos parte desse perfil de pessoas que são a maioria da população, temos uma obrigação moral de entender quais são os nossos privilégios, além do nosso papel para promover mudanças e construir outras formas de relacionamento entre as pessoas.
Essa discussão inicial está diretamente ligada ao que nós esperamos de homens e mulheres. Ou melhor, sobre o que é ser um homem e o que é ser uma mulher na nossa sociedade. Para Galli, os privilégios estão conectados às questões de gênero e sexualidade por meio dos sistemas: sistemas muito grandes de organização social que envolvem uma série de características psicológicas, de lutas de poder e muitas mais.
“As pessoas LGBTI+, de certa forma, destoam desse sistema. É por isso que elas vivem tanta discriminação. Existe uma expectativa que não se concretiza. É claro que isso não tem a ver somente com a cor das roupas ou objetos de uma pessoa. Isso tem a ver com quais espaços essas pessoas vão ocupar ou não na sociedade” destacou.
A estrutura social em que vivemos hoje impõe o que uma pessoa com determinadas características fisiológicas pode ou não fazer, os espaços que ela pode ou não ocupar. De acordo com o jornalista, esse conceito se chama gênero: são os papéis sociais que as pessoas cumprem na sociedade, e que são reforçados o tempo inteiro.
As pessoas LGBTI+ contestam esses papéis impostos para homens e mulheres na sociedade. Elas, muitas vezes, negam os papéis que lhe são dados de acordo com suas características fisiológicas. Galli exemplificou: “Esses sistemas, esses padrões e processos que dizem o que temos que fazer e como temos que agir são impregnados em nós desde o início de nossas vidas. É por isso que é difícil de entender alguns conceitos que, para as pessoas que vivem essa diversidade, são muito fáceis”.
As pessoas que questionam o sistema de gênero binário e experimentam outras formas de existência fazem parte da comunidade LGBTI+. Para entender melhor essa sigla, precisamos compreender alguns conceitos:
A imagem acima nos auxilia na compreensão da sigla LGBTI+: L é Lésbica, G é Gay e B é Bissexual, termos que se relacionam à orientação sexual; T é Transexual e I é Intersexual, termos que se relacionam a identidade de gênero; e o + surge para representar outras possíveis vivências que não se adequam aos comportamentos esperados de homens e mulheres.
Em relação ao T, é importante destacar o termo usado para o seu oposto. Uma pessoa que se identifica ou aceita as regras sociais estabelecidas para ela desde o momento do nascimento com base na genitália que ela tem, é identificada como cisgênero. Já uma pessoa que não se identifica com essas regras e passa por um processo de transição ao longo da sua vida, é chamada de transgênero.
A questão de identidade de gênero é muito importante porque está relacionada diretamente com a forma de tratamento e organização social.
“Eu preciso entender que se eu chamar uma mulher trans de ‘ele’, estarei exercendo sobre ela uma violência, porque essa pessoa está passando por um outro processo de construção da sua própria identidade. Isso também significa que não podemos presumir que um homem trans irá obrigatoriamente se interessar sexualmente por mulheres. Identidade de gênero é uma coisa e orientação sexual é outra. É possível que existam homens trans gays e mulheres trans lésbicas” destacou Galli.
Além disso, é preciso entender que a sigla LGBTI+ se refere não apenas a identificação das pessoas, mas a caracterização de um movimento de luta histórico. É por isso que existem as bandeiras que representam essas possibilidades de existência.
É importante destacar que no Brasil, atualmente, devemos utilizar a sigla LGBTI+, porque ela foi convencionada no último encontro de movimentos sociais relacionado a essa temática. Segundo Galli, em locais como os Estados Unidos, poderemos ver a sigla maior: LGBTQIA+.
“Essas diferenças existem porque a sigla vai representar as correlações políticas que acontecem num determinado momento e local. A letra Q, no Brasil, é muito contestada pelo movimento social porque é uma identidade específica do norte do globo, de países de língua inglesa. O Queer vem da Teoria Queer, que é uma ideia de negação das caixinhas de gênero. Existem pessoas que não se identificam com as caixinhas que compõem a sigla hoje em dia. É uma ideia de que a sexualidade, ao longo da vida, pode ser fluida”.
Uma das formas de tornar os ambientes mais acolhedores para pessoas LGBTI+, é utilizar termos corretos que não carreguem discriminação e preconceito. A lista abaixo foi divulgada pelo jornalista e deve ser utilizada por todos nós.
Por fim, referindo-se especificamente ao ambiente de trabalho, Galli destacou: “Não são todas as pessoas LGBTI+ que querem ser militantes, muitas vezes elas só querem ter sua identidade reconhecida, sem nenhuma obrigação de educar os colegas. Por isso, é importante criar espaços seguros de diálogo e para resolver problemas relacionados à temática; e garantir a intolerância com piadas LGBTfóbicas e qualquer tipo de violência simbólica”.