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Do caos à estratégia: como heurísticas transformam testes Ad-Hoc em exploração poderosa

Por 12/09/2025 12/09/2025 13 minutos

No universo da qualidade de software, muitas vezes nos deparamos com o dilema entre improvisar testes ou seguir um caminho mais estruturado. Essa diferença é bem ilustrada pela frase: “Se você falha em planejar, você planeja falhar.”

No filme King Richard: Criando Campeãs, vemos a história de Richard Williams, pai das lendárias tenistas Venus e Serena. Antes mesmo de elas nascerem, Richard já havia elaborado um plano detalhado de como suas filhas se tornariam campeãs. Ele não contava apenas com o talento natural, mas com um método rigoroso de treinamento, disciplina diária e estratégias de longo prazo. Mesmo sem os melhores recursos, acreditava que um planejamento sólido poderia transformar chance em resultados concretos.

Essa visão se conecta diretamente ao universo dos testes de software. Afinal, nós, como profissionais de qualidade, não devemos conduzir nossos testes apenas no improviso. É o planejamento — neste caso, representado pelas heurísticas — que transforma uma atividade caótica em um processo estratégico, capaz de gerar resultados consistentes e impactantes.

Ad-Hoc vs. Heurísticas

O teste Ad-Hoc ou Freestyle é executado de forma livre, baseado apenas na experiência e intuição do testador. Embora tenha seu valor, muitas vezes ele se resume a “clicar em tudo”, sem foco ou direcionamento.

As heurísticas, por sua vez, trazem estrutura. Elas são atalhos cognitivos criados a partir do conhecimento coletivo da comunidade de testes. Não são regras fixas, mas guias que ajudam a explorar sistemas com propósito.

Enquanto o Ad-Hoc depende da sorte e experiências anteriores para encontrar falhas, as heurísticas aumentam a probabilidade de identificar bugs críticos com menos esforço. Por exemplo, imagine testar um carrinho de compras:

  • Freestyle: clicar aleatoriamente em botões.
  • Com heurísticas: aplicar o modelo CRUD+SCA (Create, Read, Update, Delete + Security, Concurrency, Accessibility).
Heurísticas em diferentes camadas da aplicação.

Heurísticas são como atalhos mentais, geralmente são acrônimos, para que possamos rapidamente lembrar de algo que precisa ser testado. O exemplo mostrado anteriormente é uma heurística da Elisabeth Hendrickson, onde ela criou o acrônimo CRUD+SCA (Create, Read, Update, Delete + Security, Concurrency, Accessibility) para lembrar rapidamente o que ela sugere testar em uma aplicação.

As heurísticas não se limitam a uma única dimensão dos testes, pelo contrário, elas podem ser aplicadas em diferentes camadas da aplicação, ajudando o QA a olhar o produto de forma mais ampla e estratégica. Cada camada exige uma lente diferente, e a comunidade de testes já consolidou diversos modelos para apoiar essa prática.

Análise geral do produto

Quando aplicadas ao produto como um todo, as heurísticas oferecem suporte analisando se o propósito e a consistência da solução estão entregando funcionalidades que refletem as expectativas e requisitos estabelecidos.

Aqui entram modelos como o HICCUPPS e SFDPOT de James Bach e Michael Bolton, que conectam expectativas de usuários, objetivos do produto e requisitos documentados. A análise geral da solução pode ser feita de várias maneiras, mas a heurística SFDPOT é uma aliada poderosa.

  • Structure (UI, APIs, banco de dados, componentes)  
  • Function (funcionalidades, comportamentos esperados)  
  • Data (entradas, saídas, armazenamento)  
  • Platform (SO, navegadores, hardware, redes)  
  • Operations (fluxos de uso, cenários reais)  
  • Time (performance, latência, agendamentos) 

Aplicando a heurística em um e-commerce

Agora, imagine um grande shopping virtual onde se vende de tudo, desde o último smartphone até o café do dia seguinte. Um projeto desse porte é um organismo complexo, e garantir sua saúde e eficiência exige um olhar clínico e multidimensional. A atuação de um QA Engineer vai muito além de “clicar em botões”; é uma investigação meticulosa em seis dimensões críticas.

1. A estrutura (Structure) 

Aqui, avaliamos a arquitetura invisível que sustenta a experiência do usuário. É a verificação da solidez das fundações: a interface é intuitiva? As APIs de catálogo e pagamento conversam entre si com precisão? O banco de dados mantém a integridade de cada transação? Lembre-se, componentes como busca, carrinho e checkout devem ser uma orquestra sincronizada. 

Exemplo prático: um cliente adiciona um notebook ao carrinho pelo aplicativo no iPhone. Ao chegar em casa e acessar o site pelo notebook, o item precisa estar lá, fielmente. A falha nesse simples sincronismo quebra a confiança. 

Atuação do QA: vai além da superfície. Criamos cenários de testes que atravessam todas as camadas (UI, API, Banco de Dados), validamos a consistência dos dados via chamadas diretas às APIs e esmiuçamos os logs do sistema para garantir que a sincronia é perfeita em todas as plataformas. 

2. A função (Function)

Esta dimensão questiona: as funcionalidades cumprem o que prometem? A busca encontra? Os filtros refinam? O checkout finaliza? O rastreamento informa? Cada comportamento esperado deve ser escrutinado. 

Exemplo prático: ao aplicar um cupom de desconto, o sistema deve recalcular o valor total, considerando frete, impostos e opções de parcelamento, sem erros. 

Atuação do QA: combinamos a curiosidade do teste exploratório com a eficiência da automação. Cobrimos cenários positivos (cupom válido) e negativos (expirado, inválido). Empregamos técnicas como partição de equivalência para testar de forma inteligente, garantindo cobertura máxima sem testar todas as infinitas combinações possíveis. 

3. Os dados (Data) 

Dados entram, são processados, armazenados e saem. Precisamos garantir que o sistema valide entradas, rejeite informações corrompidas e armazene tudo com fidelidade e segurança. 

Exemplo prático: o que acontece ao tentar cadastrar um CEP inexistente? O sistema guia o usuário com uma mensagem clara ou quebra silenciosamente? E o histórico de compras: reflete com exatidão o status real dos pedidos? 

Atuação do QA: utilizamos uma grande massa de dados válidos e inválidos para desafiar o sistema em pontos de integração (APIs e UI). Na retaguarda, auditamos o banco de dados para assegurar que cada transação é registrada de forma íntegra e auditável. 

4. A plataforma (Platform) 

Nossos clientes não usam um único dispositivo em uma rede perfeita. Eles estão no Safari do iPhone, no Chrome do Android, no Firefox do desktop, em redes estáveis e em conexões instáveis. A experiência deve ser consistente nesse caos. 

Exemplo prático: o layout quebra em um smartphone específico? O processo de checkout sobrevive a uma queda brusca de conexão, permitindo que o usuário retome de onde parou? 

Atuação do QA: realizamos testes manuais em uma device farm de dispositivos e navegadores. Simulamos condições adversas de rede (3G lento, latência alta) para observar a resiliência da aplicação. Automatizamos testes cross-browser usando ferramentas especializadas para escalar esse esforço. 

5. As operações (Operations) 

Aqui, não testamos funcionalidades isoladas, mas sim fluxos completos e realistas que simulam a jornada verdadeira de um cliente 

Exemplo prático: simulando a jornada completa de um usuário para buscar um smartphone, ler avaliações, comparar modelos, adicionar ao carrinho, escolher frete expresso, pagar com um cartão já salvo e, por fim, acompanhar o status de entrega. 

Atuação do QA: construímos testes ponta a ponta (E2E), manuais e automatizados, que simulam essas jornadas críticas. Fazemos pair testing com o Product Manager para validar se cada passo do fluxo não apenas funciona, mas também atende às expectativas do negócio e gera satisfação. 

6. O tempo (Time)

A performance é um requisito, não um luxo. Avaliamos a velocidade, a pontualidade de tarefas agendadas e a latência das respostas. 

Exemplo prático: a busca retorna resultados em menos de 2 segundos mesmo sob carga pesada? Uma promoção relâmpago é ativada exatamente no segundo programado? A notificação de “pedido entregue” chega sem atrasos? 

Atuação do QA: empregamos ferramentas de teste de carga e performance (como JMeter ou k6) para estressar o sistema e identificar gargalos. Validamos meticulosamente o timing de tarefas agendadas e notificações, especialmente em horários de pico críticos como a Black Friday, onde cada segundo de delay se traduz em perda de venda. 

Camada de APIs 

Na camada de APIs, heurísticas específicas ajudam a estruturar testes mais técnicos e objetivos. Um exemplo é o POISED, criado por Amber Race, que orienta o testador a observar Parameters, Output, Interoperability, Security, Errors e Data. Outro é o VADER, de Linda Roy, que direciona a análise para Verbs, Authorization/Authentication, Data, Errors e Responsiveness.  

Há ainda o BINMEN, compartilhado por Simon Tomes na comunidade, que foca em Boundary, Invalid entries, NULL, Method, Empty, Negative. Esses modelos funcionam como checklists mentais que guiam a exploração técnica e reduzem a chance de pontos críticos passarem despercebidos. 

Interface de Usuário (UI) 

Na interface de usuário, heurísticas de usabilidade trazem estrutura para validar clareza, consistência e facilidade de uso. As 10 Heurísticas de Usabilidade de Jakob Nielsen, desenvolvidas inicialmente com Rolf Molich e amplamente difundidas desde os anos 1990, são talvez as mais conhecidas. Elas incluem princípios como visibilidade do status, consistência, prevenção de erros e design minimalista.  

Complementando, temos os Critérios Ergonômicos de Bastien & Scapin, que aprofundam a análise em aspectos como Guidance, Workload, Explicit Control, Adaptability, Error Management, Consistency, Significance of Codes e Compatibility. 

Nas aplicações web modernas, a heurística ALTER FACE, proposta por Julio de Lima, torna-se uma aliada valiosa. Ela considera aspectos como Activation, Layers, Timing, Exclusion Principle, Removable, Float, Achievable, Collision e Expansion, permitindo avaliar tanto componentes isolados quanto o comportamento integrado da aplicação. 

Aplicações Mobile 

Em aplicações mobile, surgem ainda outras particularidades. Heurísticas como T-PAIN, criada por Rafael Bandeira, voltadas especificamente para este contexto, ajudam a mapear cenários que só fazem sentido em dispositivos móveis: Rotation, Permissions, Airplane Mode, Interruptions, Connections.  

Além disso, heurísticas clássicas de Nielsen também podem ser adaptadas para mobile, sempre com foco no usuário e em experiências reais de uso, levando em conta ambientes dinâmicos e restrições típicas desses dispositivos. 

O valor das heurísticas 

Essa diversidade mostra que heurísticas não são ferramentas genéricas e abstratas, mas sim adaptáveis às diferentes naturezas do sistema sob teste. Ter consciência dessas camadas é o que diferencia um teste meramente exploratório de uma exploração realmente poderosa — capaz de identificar falhas críticas onde elas mais impactam o usuário e o negócio. 

Entretanto, heurísticas não substituem outros tipos ou técnicas de testes. Elas são um complemento que fortalece a exploração, especialmente em contextos de tempo limitado. Ou seja, podem ser vistas como atalhos cognitivos que nos ajudam a resolver problemas já mapeados por outros profissionais. 

Assim como Richard treinava suas filhas sempre com propósito, nós, como testadores, não devemos testar sem direção. Heurísticas são o nosso “treino invisível” — um guia que transforma improviso em estratégia e aumenta nossas chances de entregar software com qualidade real. 

O Impacto das heurísticas no mercado digital 

 
Empresas que unem métodos estruturados de teste com inovação tecnológica conseguem reduzir tempo de entrega e aumentar a confiança em seus produtos digitais. É nesse cenário que a SoftDesign se destaca, pois ao integrar design, estratégia, desenvolvimento de software e Inteligência Artificial, oferece soluções completas que aceleram a transformação digital sem comprometer a qualidade.

Nesse sentido, heurísticas tornam-se um diferencial estratégico que fornecem a visão crítica necessária para que soluções entregues em alta velocidade mantenham consistência, usabilidade e aderência ao negócio. Em mercados cada vez mais competitivos, onde falhas significam perda de credibilidade e receita, heurísticas tornam-se um recurso capaz de potencializar o trabalho do QA Engineer, mas também da própria percepção de valor de empresas inovadoras diante de seus clientes.

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Perguntas frequentes sobre heurísticas de teste 

Veja respostas para algumas das principais dúvidas sobre o tema.

O que é uma heurística em teste de software?

Em suma, uma heurística é um atalho mental utilizado para direcionar os testes exploratórios, servindo como um guia para explorar uma aplicação. Além disso, tem como propósito mitigar riscos de maneira estruturada.

Quais são as heurísticas de usabilidade?

As 10 heurísticas são: Visibilidade do status do sistema, Correspondência entre o sistema e o mundo real, Controle e liberdade do usuário, Consistência e padrões, Prevenção de erros, Reconhecimento em vez de memória, Flexibilidade e eficiência de uso, Estética e design minimalista, Recuperação diante de erros, Ajuda e documentação.

Qual heurística posso utilizar para uma análise geral do produto?

HICCUPPS é uma ótima escolha, pois com ela você consegue testar a estrutura (UI, APIs, banco de dados, componentes), as funções (funcionalidades, comportamentos esperados), os dados (entradas, saídas, armazenamento), as plataformas (SO, navegadores, hardware, redes), as operações (fluxos de uso, cenários reais) e o tempo (performance, latência, agendamentos).

Qual heurística posso utilizar para testes de APIs?

POISED é uma ótima escolha, pois orienta o testador a observar parâmetros, saída de dados, interoperabilidade, segurança, erros e dados.

Qual heurística posso utilizar para testes em aplicações web modernas?

Nas aplicações web modernas, a heurística ALTER FACE torna-se uma aliada valiosa. Ela considera aspectos como ativação, camadas, tempo, princípio da exclusão, removíveis, pontos flutuantes, alcançável, colisão e expansão, permitindo avaliar tanto componentes isolados quanto o comportamento integrado da aplicação.

Qual heurística posso utilizar para testes em aplicações móveis?

Para mobile, a heurística T-PAIN é voltada especificamente para esse contexto, ajudando a mapear cenários que só fazem sentido em dispositivos móveis: rotação, permissões, modo avião, interrupções e conexões. 

O que é heurística em IA?

Em resumo, Inteligência Artificial, heurísticas podem auxiliar na velocidade de entrega, visto que seu papel principal é direcionar os testes de forma estruturada e guiada, resultando em ganho de tempo e mitigação de riscos.

Por fim, leia também:

Foto do autor

Luã Gustavo Silveira

Luã Gustavo Silveira é Lead QA Engineer e Mentor, com mais de 11 anos de experiência em qualidade e testes de software. Atua em projetos de grande complexidade envolvendo APIs, UI e segurança, sempre com foco em encontrar falhas no processo de desenvolvimento do produto para mitigar problemas em potencial e garantir a confiança do produto. Bacharel em Ciência da Computação, Pós-graduado em Automação de Testes de Software e com certificações CTFL e CTFL-AT, compartilha conhecimento e incentiva a evolução contínua, além de acreditar que a colaboração e o pensamento crítico são a chave para entregar um produto de qualidade.

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