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Tiago Filomena e a evolução do Data Science no Brasil: avanços e perspectivas

Por 05/07/2022 08/11/2024 14 minutos

Prever o futuro não precisa ser uma questão de sorte ou adivinhação. Por meio do Data Science, Cientistas de Dados conseguem criar teorias e testar hipóteses para apoiar a tomada de decisão nas empresas. Ao transformar dados em informações qualificadas, com o auxílio de Inteligência Artificial (IA) e Machine Learning (ML), baseamos planos estratégicos em análises data-driven, focadas na previsão de cenários e não mais em simples intuição.

Para refletir sobre esse universo da Ciência de Dados e o impacto de sua aplicação nos negócios, entrevistamos o Prof. Dr. Tiago Filomena, Co-Founder da Finor, professor associado da Escola de Administração da UFRGS e professor do Programa de Pós-Graduação em Administração da PPGA-UFRGS. Formado em Engenharia Civil (UFRGS), ele tem Mestrado em Engenharia de Produção (UFRGS) e Doutorado em Engenharia com ênfase em Pesquisa Operacional e Engenharia Financeira (George Washington University).

Processando Dados

SoftDesign – Como a sua jornada acadêmica evoluiu da Engenharia Civil para o Data Science?

Tiago Filomena – Apesar de ter feito toda a minha formação em Escolas de Engenharia, eu sempre fui muito orientado para Finanças e Métodos Quantitativos. Por isso, quando acabei a graduação comecei um Mestrado em Engenharia de Produção (UFRGS), em uma área mais voltada para a Engenharia Econômica. Logo em seguida, consegui uma bolsa de estudos para cursar Doutorado em Finance & Operations Research na The George Washington University, por meio do Programa CAPES-Fulbright – parceria entre os governos americano e brasileiro.

Nos Estados Unidos, percebi que é normal ver áreas de Finanças dentro de departamentos de Engenharia, pois existe um viés matemático computacional muito consolidado. Em 2006, termos como Data Science e Analytics não eram consolidadas, mas na prática já trabalhávamos com isso. Sendo assim, foi no meu Ph.D. que o interesse por Data Science se intensificou, principalmente em disciplinas que abordavam Finanças Computacionais e Design de Algoritmos.

No final de 2010, conclui o Ph.D. e retornei ao Brasil. Durante muitos anos trabalhei em produções acadêmico-científicas e projetos internos da universidade. Minha trajetória profissional sempre esteve relacionada à pesquisa, mas também à aplicação de teorias. Há dez anos, no Brasil, existiam poucas aplicações práticas na área de Data Science, e há apenas dois/ três anos vi um dos primeiros Cientistas de Dados que conheço ser promovido a cientista chefe em um grande banco.

Eu acredito que a pandemia de Covid-19 acelerou alguns anos o processo de Transformação Digital, não só na área de Ciência de Dados, mas de tecnologia como um todo. Pensando nisso e nas oportunidades do mercado, no final de 2020 decidi, junto com outros sócios, fundar a Finor.

O Universo da Ciência de Dados

SD – A Finor aplica métodos científicos modernos em empresas do mercado financeiro para apoiar a tomada de decisão. Tais métodos tem como base o Data Science. Como poderíamos defini-lo?

TF – O termo Data Science é um guarda-chuva que abriga muitos conceitos. Por isso, hoje em dia é comum que algumas pessoas considerem ferramentas como o Excel um exemplo prático dessa área. Entretanto, a organização inicial de dados está relacionada ao BI (Business Intelligence), que trata de refinar e classificar informações para um relatório, por exemplo. Esse processo ocorre sem a aplicação de inteligência matemática. Sendo assim, o uso do Excel não pode ser considerado Data Science.

Eu acredito que o Data Science trabalha com um grupo de dados (incluindo Big Data) que resultam na criação de um modelo preditivo ou prescritivo. Ou seja, o BI está mais relacionado às análises descritivas, e o Data Science mais vinculado às análises preditivas e de tomada de decisão, que irão impactar no futuro das empresas.

Diferenças entre o Modelo Preditivo e o Modelo Prescritivo. Fonte: SoftDesign.

 

Business Intelligence X Artificial Intelligence

SD – Isso significa que essas duas áreas de análises trabalham juntas?

TF – Quando a empresa está em uma jornada de dados, o BI é considerado o primeiro estágio. É a primeira parada onde a principal missão é organizar e fazer análises mais descritivas com base nos dados recolhidos, criando dashboards, histogramas e outras formas de visualização. Provavelmente, essa será a porta de entrada para o universo do Data Science.

O segundo estágio é o das ferramentas de Machine Learning, focadas em análises preditivas (modelos de regressão, árvores e redes neurais). E, por fim, o terceiro estágio é o modelo de tomada de decisão, no qual analisamos os dados e tentamos prever cenários para descobrir qual o impacto da decisão tomada. Essa última etapa é difícil de identificar no Brasil, já o estágio intermediário é onde muitas das grandes empresas estão nesse momento.

SD – Nesse segundo estágio, no qual entram os conhecimentos em Machine Learning, temos uma presença muito forte de Artificial Intelligence (AI), certo?

TF – Sim. O termo Inteligência Artificial também é um guarda-chuva que integra muitos conceitos. Na Finor, trabalhamos com uma empresa americana que define AI como a conexão entre a inteligência do Machine Learning e a tomada de decisão, por meio da otimização matemática.

No geral, quando falamos de AI e Machine Learning no mercado de tecnologia, essas áreas são usadas quase como sinônimos. Entretanto, se formos promover uma discussão acadêmica aprofundada sobre o tema haverá uma separação entre os conceitos. Mas, podemos afirmar que Business Intelligence não é Artificial Intelligence.

Teoria da Evolução

SD – Como uma empresa evolui do estágio um (BI) para o estágio dois (AI)?

TF – Eu acredito que o tempo acaba empurrando a empresa de um estágio para o outro. Quando a equipe começa a vivenciar esse mundo do BI, fazendo análises e dashboards cada vez mais elaborados, é normal que a empresa comece a questionar se consegue partir para um modelo onde seja possível exercitar previsões.

É natural fazer perguntas como: será que consigo criar uma lógica de qual produto oferecer para determinado cliente de forma mais direcionada? Quando a empresa passa a ter esse tipo de pensamento, e começa a criar histogramas para analisar informações que cognitivamente já não se resolvem sozinhas, é sinal de que está na hora de dar o próximo passo.

Ao mesmo tempo, quando percebemos que a empresa tenta encurtar esse caminho, identificamos que na etapa de Machine Learning a situação se complica por falta de maturidade e conhecimento. Por isso, prefiro acreditar que os sinais relacionados ao tempo de mudança sempre aparecem na hora mais adequada para o desenvolvimento do negócio.

SD – Quer dizer que o estágio de maturidade está ligado a outras questões da própria empresa que não necessariamente a Análise de Dados?

TF – É possível. Muitas vezes a empresa não tem uma cultura de dados, e quando propomos um modelo de Machine Learning torna-se difícil convencer o gestor sobre a eficácia e o impacto dessa tecnologia em seu negócio. No final do dia, ainda existem muitos líderes que tomam decisões baseadas em crenças.

Logo, caso a pessoa não tenha o mínimo de maturidade em relação ao que está acontecendo, é provável que essa jornada no mundo da Ciência de Dados demore mais tempo para amadurecer até que seja possível passar de fase.

O Brasil no Cenário da Ciência de Dados

SD – Olhando para a realidade brasileira, podemos dizer que a área financeira é a que está mais avançada em relação ao Data Science?

 TF – Existem muitas áreas que eu não possuo conhecimento. Logo, não posso fazer afirmações sobre determinadas indústrias. Na minha opinião, o Brasil é um país impulsionado pelos setores Financeiro e de Agronegócio. A área de finanças sempre teve muito valor agregado, e isso permitiu que ela se mantivesse sadia e competitiva ao longo dos anos, acessando os melhores recursos humanos disponíveis no mercado.

Me parece muito normal ir a um banco e interagir com pessoas com Ph.D., mas será que é normal isso acontecer em outros segmentos da economia brasileira? Eu penso que seja algo mais difícil, e isso pode ser um sinal de que a indústria financeira de fato está mais avançada nessa jornada de Data Science e matemática computacional.

Entretanto, é importante ressaltar que esse setor sempre investiu muito nessas áreas de conhecimento, contratando profissionais com alto nível de graduação. Esse movimento não começou nos últimos anos, trata-se de uma realidade que sempre existiu e vem se desenvolvendo.

Investimento das indústrias em tecnologia. Fonte: https://noomis.febraban.org.br/temas/inovacao/investimentos-de-bancos-com-tecnologia-aumentam-48

 

Mindset Data-Driven

SD – Podemos dizer que isso acontece devido à quantidade de dados que a indústria financeira precisa processar?

TF – O banco existe para gerenciar o risco na sociedade. Ele usa o dinheiro do poupador para criar crédito para o tomador. No meio dessa relação, o banco é quem teoricamente sabe gerenciar melhor esses processos. Entretanto, o próprio conceito de risco pode ser algo abstrato para alguns negócios.

Uma fábrica de calças jeans, por exemplo, precisa lidar com o tecido e os modelos das peças a serem fabricadas. Nesse tipo de negócio, o produto é físico e o conceito de risco/ retorno é levado em conta na hora de precificar o produto, negociar com fornecedores e gerenciar a comercialização.

Já a instituição financeira nasce em um ambiente totalmente abstrato. E essa abstração está relacionada ao nível de qualidade: qual banco analisa melhor os dados disponíveis? Qual consegue precificar melhor um produto ou serviço?

Os negócios digitais também surgem nesse contexto, em meio a um grande marketplace que por definição pode ser considerado uma pequena economia existente, na qual a interação entre os agentes também não é física. Nessa realidade, acabamos caindo automaticamente no universo da matemática, da Cloud Computing e do Data Science.

Porém, existem grandes empresas de commodities que também já fizeram uma profunda jornada em dados por meio da tecnologia. Ou seja, Data Science não é uma exclusividade da área financeira. Eu acredito que essa indústria possui sim mais massa crítica, porém, por outro lado, as empresas da nova economia já nascem com um mindset data-driven.

Tecnologia Ao Alcance de Todos

SD – Isso pode significar que as FinTechs possuem uma vantagem em relação aos bancos tradicionais?

TF – Existem prós e contras. Os Neobanks já nascem sem legado. O fato é que passamos por grandes mudanças tecnológicas. Há 20 anos quem podia se dar ao luxo de ter um data center? Quem conseguia contratar engenheiros de software?

Hoje em dia, por meio da computação em nuvem, com mil dólares você pode operar na AWS, Microsoft Azure ou Google Cloud Platform. Ou seja, esse custo de entrada no mercado diminuiu muito para as novas empresas. Sendo assim, a grande vantagem dos Neobanks é que eles já nascem em um ambiente repleto de tecnologia. Essas startups são Cloud Native e estão totalmente adaptadas ao novo mundo.

Porém, existe uma grande desvantagem em relação aos bancos tradicionais: eles não possuem o histórico das pessoas. Os grandes bancos nos conhecem há muitos anos e sabem o que o Tiago fez ao longo da vida, por exemplo. Eles possuem todo um histórico sobre mim, e esse conjunto de dados é muito precioso.

Democratização Dos Dados

SD O principal objetivo do Open Banking não é justamente resolver esse problema de acesso aos dados financeiros das pessoas?

TF – O Open Banking irá ajudar a democratizar o compartilhamento de dados de clientes entre instituições financeiras, mas irá demorar algum tempo para que todos possam competir de forma mais igualitária. Além disso, acredito que a confiabilidade continua importante e acaba pesando na hora de decidir qual banco escolher.

Penso que alguns Neobanks ficarão pelo caminho, ao mesmo passo que alguns bancos tradicionais também não conseguirão fazer essa jornada de Transformação Digital. Na Finor, trabalhamos com empresas do Brasil e Estados Unidos, e ainda não vimos nenhum Neobank dominar o mercado americano, por exemplo.

SD – Tanto o banco digital quanto o banco tradicional precisam de Data Science?

TF – Eu não tenho dúvidas em relação a isso. Todos os bancos já entenderam essa necessidade. Nessa jornada de Data Science ficou claro que existem muitas instituições tradicionais que ainda vivem no passado, e possuem muita dificuldade em atualizar processos e modelo de negócio. Esse é um momento de adaptação para os bancos: alguns Neobanks começaram a optar pelo modelo phygital, enquanto os bancos físicos querem ser o mais digital possível.

Nesse sentido, é importante que as empresas busquem ajuda na universidade, e que a universidade esteja aberta para as empresas. Eu acredito que o Data Science é muito fundamentado nesta interação, afinal o próprio termo possui a palavra ciência.

Finance + Tech

SD – Pensando nisso, como a Finor ajuda as instituições financeiras por meio do Data Science?

TF – Quando vendemos algum projeto para determinada empresa, no geral nos relacionamos com a área de negócio, ou seja, com o diretor de crédito e investimento, por exemplo. O nosso diferencial é conectar o mundo financeiro com o de tecnologia.

Imagine um tesoureiro que quer fazer um projeto inovador e, para isso, reúne o time de TI para explicar o que é a curva de juros. Certamente ao fim da reunião ele irá desistir da ideia, pois o projeto irá demorar cinco anos para ser finalizado por falta de expertise. Na Finor, nós falamos a linguagem de Finanças, Tecnologia e Matemática. Por isso, conseguimos conectar todos esses universos.

Decidimos focar no setor financeiro justamente para conseguir conversar sobre os problemas do cliente de forma aberta e profunda. Isso é possível porque ele não precisa nos explicar o problema de crédito que devemos resolver, pois nós já temos essa curva de aprendizado. Quando o problema envolve os mundos de finance e tech somos a melhor opção. Na Finor, não temos um produto. Somos uma boutique que desenvolve projetos de consultoria de acordo com a demanda do cliente.

Empresas Digitais, Negócios Globais

SD Em menos de dois anos, a Finor já conquistou clientes no Brasil e nos Estados Unidos. Como tem sido essa jornada?

TF – Essa é uma vantagem de nascer como nós nascemos. Se não houvesse a pandemia de Covid-19, a decisão de criar uma empresa não seria tão óbvia. Uma tese que temos está relacionada ao que aconteceu com a manufatura dos países desenvolvidos que foi exportada para os países em desenvolvimento com o objetivo de reduzir custos. É mais barato fabricar um tênis na China do que nos Estados Unidos ou no Canadá, por exemplo.

Atualmente, esse movimento está acontecendo em outros setores da economia e um cliente concorda com muita facilidade em desenvolver um projeto no qual se é discutido tudo on-line, por meio de ferramentas digitais. Não existe mais a necessidade da presença física. Como nascemos em meio a consolidação do trabalho remoto, somos globais desde o primeiro dia.

Uma vantagem que temos é que, desde o início, nossa oferta de serviços já considerava as particularidades do mercado nos EUA. Não é óbvio para uma empresa habituada há anos em desenvolver serviços somente no Brasil fazer está transição.

São ofertas e posicionamentos completamente diferentes. Nesse sentido, ser global é uma excelente vantagem competitiva. Na Finor, temos um sócio que mora nos Estados Unidos e tem mais de 20 anos de experiência no mercado de capitais. Isso também facilita a nossa jornada em solo americano.

Por fim, acredito que existem muitas mudanças acontecendo no mundo agora. Vivemos um turbilhão constante de transformação e desenvolvimento, e a pandemia impulsionou a inovação e a aceleração tecnológica em muitas áreas. É difícil prever como serão os próximos anos, mas certamente o Data Science será um aliado essencial.

Foto do autor

Pâmela Seyffert

Content Marketing Analyst na SoftDesign. Jornalista (UCPEL) com MBA em Gestão Empresarial (UNISINOS) e mestrado em Comunicação Estratégica (Universidade Nova de Lisboa). Especialista em comunicação e criação de conteúdo.

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