
- Inovação
Se você atua em uma empresa tradicional, certamente já participou de longas reuniões para discutir um projeto de tecnologia que todos achavam que seria muito importante para o futuro da empresa. Tudo para, alguns meses depois, descobrir que a ideia foi engavetada e que a solução nunca foi colocada em prática.
Quando estamos nas etapas de ideação e concepção de um produto, é comum vermos equipes com uma atitude descrente ou até traumatizada em relação a novos projetos de TI ou de inovação. Isso acontece porque, no passado, essas pessoas participaram de workshops de design e cocriação, viram todo o fluxo de definição acontecer e, no fim, as boas ideias ficarem congeladas ao final do processo.
Neste artigo, quero compartilhar alguns motivos que fazem projetos críticos para o futuro das organizações ficarem estagnados – e como evitá-los.
A partir de uma ideia ou dor da empresa, é comum começar uma iniciativa pelo design. E isso é ótimo! Seria ideal que toda empresa começasse dessa forma, com tempo para pesquisa e para desenhar soluções adequadas desde o início.
Porém, de nada adianta investir semanas em design, se não for feita simultaneamente uma discussão aberta e franca sobre capacidade de investimento.
É vital discutir questões como:
Se essas questões não forem debatidas, é possível que o time envolvido na fase de discovery inicial desenhe um projeto totalmente fora das capacidades da empresa, gerando uma frustração geral.
É comum que as empresas acreditem que não se pode fazer essas perguntas no início. Consideram que isso limitaria a fase criativa de definição do produto e dos objetivos.
Mas isso é uma falácia. No processo criativo, da inovação e do design thinking, já foi comprovado que é essencial ter restrições [1][2]. Os limitadores funcionam como drivers de inovação, que nos permitem chegar em soluções que são viáveis e mais criativas. Sem os limitadores, o processo criativo fica “preguiçoso”. Como se fosse apenas um grande brainstorming sem foco, uma conversa sobre sonhos e desejos.
Especialmente em épocas em que o dinheiro está curto e os investimentos são escolhidos a dedo, é essencial fazer escolhas mais estratégicas, alinhando design com a realidade da empresa.
Nossa recomendação é clara (e simples). Para uma fase de discovery ou de design prévia à execução, é essencial que sejam feitas também conversas sobre negócio, investimento, capacity e ROI. Sem isso, o processo será uma perda de tempo e gerará frustração, pois irá desenhar uma solução que não é realista.
As organizações estão com exigências cada vez mais altas sobre os projetos de TI e de inovação.
Todos sentem a pressão para a adoção da Inteligência Artificial. Temos ainda a concorrência das startups e empresas nativas digitais, que entram no mercado subindo a régua da experiência de usuário e gerando nas empresas tradicionais o sentimento de que estão ficando para trás.
Todos esses fatores criam a expectativa de fazer mais com menos, além de uma constante comparação com padrões quase inatingíveis. Como consequência, temos visto mais movimentação de trocas em cargos de gestão de TI e de inovação.
Mas porque as empresas estão infelizes com seus gestores? Será que as expectativas das empresas são realistas?
A questão é que os gestores não estão conseguindo conectar a estratégia com a execução.
Um gestor de TI focado no dia a dia e na operação já não é mais suficiente. Se você ainda se enxerga “apagando incêndio”, saiba que é hora de repensar seu foco.
Os gestores de TI precisam “sair da toca” e fomentar muito mais conversas de alinhamento de expectativas. Conversar com C-Levels ou diretores sobre visão de futuro, capacity, apetite a inovação e a risco.
E para garantir que os projetos sejam desengavetados (e que suas cadeiras não fiquem vagas), precisam entender que definir um projeto de tecnologia não é mais escrever um escopo, como era antigamente. Hoje, é necessário criar um business case inteligente e preciso para resolver uma dor ou atingir um objetivo estratégico.
Muitas vezes, definir um projeto também é trazer dados de mercado e de benchmarking para calibrar as expectativas da direção. Com esses dados, podemos gerar conversas maduras sobre o que é possível, viável e como outras empresas resolvem as questões que, olhando de fora, parecem mais fáceis do que realmente são.
É um caso de “gerenciar pra cima” – o gestor precisa ajudar a direção a definir melhor seus objetivos e expectativas, considerando dados mais realistas sobre o mercado e sobre o dia a dia da TI.
Quando os gestores conseguem conectar a realidade da TI com o futuro da empresa, mais e melhores projetos de tecnologia começam a fluir de forma natural.
Nossa recomendação é que os gestores de TI abracem o seu papel de conexão entre o estratégico e o tático e fomentem cada vez mais conversas com C-levels sobre expectativas. Assim, é possível alinhar a visão de futuro da empresa com a realidade.
Outro problema clássico que leva até os melhores projetos de tecnologia para o fundo da gaveta é o “efeito já-que”.
Muito conhecido na TI, esse é aquele viés cognitivo que faz com que a gente aproveite o momento da definição de um novo projeto para pedir tudo que conseguir imaginar.
“Já que estamos reformando a cozinha vamos pintar toda a casa”.
“Já que estamos discutindo uma mudança de tecnologia na plataforma, vamos aproveitar para mudar toda a UX”.
Quando estudamos teoria de Kanban, vemos que o ideal é o oposto – o fluxo de valor aumenta quando reduzimos o trabalho em progresso ou o tamanho dos lotes [3].
Pensamos assim por dois motivos. O primeiro é a ideia de que juntar itens vai economizar tempo, porque estar com a “mão na massa” facilitaria “fazer tudo”. Em alguns casos isso até pode ser verdade, gerando a chamada economia de escopo, porém na maioria das vezes é um engano.
O segundo e principal motivo é a cultura preditiva e o costume em trabalhar com escopo fechado nas empresas. Essa forma de trabalho leva a um comportamento irracional das pessoas. Sabendo que precisam “colocar no escopo” os itens para garantir que façam parte das entregas, elas se esforçam por pedir o máximo possível de itens, inclusive aqueles que ninguém tem certeza se serão mesmo úteis.
O que acontece é que os projetos vão inchando, e aí vão para o fundo da gaveta por terem ficado grandes demais.
O antídoto para esse comportamento é fatiar, descartar e priorizar. Esse é o mantra de todo bom Product Owner, e deveria também guiar gestores de TI e de Inovação que querem ver seus projetos aprovados.
Nossa recomendação é fatiar os projetos em entregáveis menores, descartar tudo que não for essencial para o objetivo em questão e priorizar o que reduz risco ou entrega mais valor. Essa forma enxuta de pensar se traduz em projetos mais pontuais e resultados muito mais visíveis.
Numa segunda-feira você acorda com uma tarifa nova imposta pelos EUA que vai mudar toda a dinâmica do seu mercado. Na terça, um novo concorrente passa a oferecer um serviço melhor que o seu. Na quarta, você ouve que o diretor de operação está pensando em trocar de ERP. Ainda nem é sexta e você já está cansado de tantas mudanças.
Sim, é o tal do mundo VUCA acabando com suas certezas. Agora, pense o que isso representa para seus projetos de tecnologia?
Se você está há três meses tentando definir uma visão de produto ou business case, tem grandes chances de ele já estar ultrapassado.
Se você gastar tempo demais tentando definir uma solução para uma dor latente, talvez ela já tenha perdido a importância quando você chegar para aprovar o orçamento.
As gavetas estão cheias de boas ideias que chegaram tarde demais.
O que estamos falando, no final das contas, é sobre agilidade organizacional.
Por definição, projetos são iniciativas temporárias que promovem a mudança na organização ou que respondem à mudança externa adaptando a organização [4].
Mas, quando as mudanças são muito rápidas e é difícil escolher um foco, o trabalho em ciclos muito longos de definição e execução pode tornar seus esforços inúteis.
Nossa recomendação é fatiar mais as demandas, focar no que é essencial, e fazer ciclos mais curtos, tanto de definição quanto de entrega. Assim, os resultados serão colhidos enquanto ainda forem relevantes. Pense no seu pipeline de inovação com um raciocínio de Kanban.
A melhor forma de evitar que os projetos sejam engavetados é parar de pensar em projetos!
“If you need to run a project, you’ve already failed. By definition, an IT project is a temporary structure to govern and deliver a complex change (such as a new product or platform) into an organization. However, to be truly competitive, an organization needs to be able to deliver a continuous stream of change. Managed properly, this negates the need for a project and the associated cost overheads“, Evan Leybourn, autor do livro #noprojects: A Culture of Continuous Value.
Resumindo as recomendações que vimos até aqui, sabemos que para os projetos de tecnologia serem executados, é importante:
Tudo isso está conectado com a ideia de trabalho em fluxo contínuo de valor.
A ideia é não trabalhar mais com a abertura de projetos, e sim com times fixos de entrega contínua, com um roadmap planejado, sendo que esse pode ser revisado e repriorizado em ciclos muito mais curtos do que os tradicionais ciclos de escolha de projetos.
Esse modelo reduz o overhead do ciclo de especificação, defesa, escolha e iniciação de projetos.
Também garante que as soluções criadas sejam alinhadas com o capacity, já que esse é fixo e conhecido por todos.
Além disso, esse modelo garante mais previsibilidade dos custos e prazos. Com o time trabalhando de forma contínua, os custos são fixos e previsíveis, e a equipe é muito mais capaz de estimar sua capacidade de entrega.
“Esqueça sua lista de projetos. O mais provável é que eles estejam defasados em relação ao mercado, inchados com requisitos de pouco valor e planejados para a construção monolítica.”
Acredite, mudar de um modelo orientado a projetos para fluxo contínuo de valor é mais fácil do que parece – e muito recompensador. Com resultados claros e entregas que realmente agregam valor ao negócio, a mudança cultural que antes parecia impossível se torna o motor da inovação em sua empresa.