Visitamos o Morro da Cruz para acompanhar o uso de equipamentos doados e ouvir a comunidade local sobre a relevância de ações como esta.
No início deste ano, transformamos nossa antiga Sala de Treinamentos na Sala de Design e Cocriação da SoftDesign. Com a reforma, alguns computadores, mesas e cadeiras foram doados ao Morro da Cruz, em ação intermediada pela antropóloga Lucia Mury Scalco.
O Morro da Cruz é uma comunidade popular que engloba os bairros São José, Vila João Pessoa e Coronel Aparício Borges, em Porto Alegre. Localizada a 9km do centro da cidade, a região é acompanhada regularmente pelo Atlas do Desenvolvimento Humano do Brasil, ocupando a posição 581 entre um total de 722 locais.
De acordo com o IBGE, 5% dos domicílios do Morro da Cruz são considerados indigentes – seus moradores sobrevivem com ¼ de salário mínimo por pessoa; e 20% estão em situação levemente melhor – cuja renda per capita é de meio salário mínimo. Entretanto, esses são dados oficias que não contabilizam as áreas irregulares: para o IBGE, por exemplo, a população do local é de 16.000 pessoas, enquanto estima-se que sejam na verdade em torno de 40 mil.
Quando Lucia soube da doação da SoftDesign para o Morro da Cruz, conversou com o educador social em informática Alberto Brito de Souza, o Betinho, para decidir o destino dos computadores, mesas e cadeiras. Os dois concluíram que seria melhor descentralizar os equipamentos a fim de otimizar o seu uso, colocando-os em locais estratégicos da comunidade para que pudessem ser aproveitados por um maior número de pessoas.
Cinco locais da região foram beneficiados: a Agência Formô Comunicação e Negócios, a Associação Comunitária Morro da Cruz, a Associação Comunitária da Vila São José, o Centro Infantil Primeiros Passos e a Eskolinha da Comunidade do Morro da Cruz. Lucia salientou que em todos eles as doações estão oportunizando desenvolvimento, facilitando o acesso à tecnologia e minimizando a desigualdade que existe até mesmo dentro do próprio Morro – entre aqueles poucos que possuem computadores e os que nunca sequer manusearam um.
“Ali, quase todas as famílias têm algum parente preso e a única forma de ter informação sobre essas pessoas é pelo computador. Não é possível telefonar, hoje tudo é informatizado. Da mesma forma, para que os jovens façam as suas inscrições no Enem, precisam preencher um formulário online. Para grande parte dos serviços, públicos e privados, o computador é imprescindível”, explicou a antropóloga.
Com o intuito de construir um local de sociabilidade para crianças e adolescentes do Morro, Lucia abriu há um ano a Eskolinha da Comunidade do Morro da Cruz. Inicialmente, ela funcionava somente aos sábados, com oficinas educativas, mas o projeto evoluiu e o local recebe hoje crianças de 6 a 8 anos no turno inverso das escolas.
Dois computadores doados por nós estão hoje na Eskolinha. De acordo com Betinho, eles são usados para fazer pesquisas e trabalhar com jogos, além de servir para sessões de cinema da criançada e para imprimir materiais didáticos. Lucia comenta que “o nosso sonho é reunir uma turma de meninos com potencial, que são autodidatas, meio ‘bruxos’, como a gente diz aqui, e investir neles na área de informática, aplicativos”. Betinho complementa: “A gente vai aos poucos, devagarinho, tentando desenvolver os jovens para torná-los agentes de transformação”.
Ao lado da Eskolinha está a Associação Comunitária Morro da Cruz, ponto de encontro dos moradores locais. Lucia ajudou a arrumá-la e a transformá-la em um espaço flexível que atualmente abriga um brechó, uma sala de informática e recebe, aos finais de semana, festas de aniversário e outras celebrações.
Betinho explica que os três computadores e as cadeiras que estão ali eram da SoftDesign. “Na sexta-feira, a sala de informática é utilizada pela advogada que atende a população, para tirar dúvidas e consultar processos. Nos outros dias, o pessoal da Associação os utiliza para fazer pesquisa, principalmente na área do artesanato, visto que muitas pessoas daqui trabalham com isso. Eles usam as máquinas para aprender novas habilidades, estudar, etc. Ah, e tem o pessoal do ProJovem que vem aqui nas terças, quartas e quintas também”, afirma.
No turno da noite, o local recebe aulas de informática para Jovens Adultos e Melhor Idade e Maria Elisete Rodrigues, vice-presidente da Associação, fez parte da primeira turma desse projeto. Lucia conta que “a maioria das alunas eram senhoras que não sabiam o que era um computador, e agora a Elisete tem WhatsApp, sabe mexer, até ganhou um computador que colocou na sua casa”, exclama. A antropóloga se emociona ao lembrar que na formatura dessa primeira turma, uma senhora que recebeu o diploma falou que nunca pensou que iria se formar em alguma coisa na vida. “Isso tem uma importância, tem gente que colocou o diploma na parede… Nós mexemos com os sonhos das pessoas quando as empoderamos”, destaca.
Outro local que também recebe as comemorações dos moradores do Morro da Cruz é a Associação Comunitária da Vila São José, que existe há pouco mais de um ano. Luana Cardoso, responsável, está reestruturando o espaço que hoje recebe crianças no turno inverso das escolas e conta com voluntários para atividades diversificadas, como aulas de dança e capoeira.
“Recebemos três computadores, cadeiras e mesas de vocês para montar nossa Sala de Informática. Agora estamos buscando um instrutor para oferecer cursos”, fala Luana. A Associação quer incentivar o desenvolvimento das pessoas, proporcionando novos conhecimentos e habilidades não só para os pequenos, mas também para jovens e adultos.
Não muito distante dali, está a Agência Formô, única agência de comunicação e publicidade do Morro da Cruz, que recebeu nossas cadeiras e mesas. Aline Couto, vendedora do local, explica que ali são feitos cartões, panfletos, banners, entre outros. “Nosso comércio mudou bastante por causa da Agência. Antigamente era tudo escrito a mão e agora, vamos lá, oferecemos uma coisa bonita, uma arte montada, um logo próprio, e assim fomos transformando a identidade do Morro”, afirma.
Em um computador, Lucas Pereira, designer da Agência, construía um material para divulgação de uma ação social que aconteceria no domingo seguinte. Lucia, cheia de orgulho, salienta que o jovem é um artista que faz grafite e caricaturas, e que o acesso à tecnologia fez com que seu talento pudesse ser potencializado e expandido para outras áreas. “Eles têm muita vontade de crescer, e esses computadores ajudam muito nisso”, explica.
Além de Agência, a Formô também funciona como uma espécie de lan house social. “Liberamos o Wi-Fi em determinados dias, finais de semana, para o pessoal poder usar na rua. Também, quando alguém vem aqui para fazer uma impressão, por exemplo, fornecemos a senha da wireless e não trocamos mais, aí pode vir aqui outro dia para consultar uma fatura, etc. Ajudamos a fazer currículos também, deixamos imprimir e não cobramos. A gente entende que a pessoa não tem como pagar, ela está procurando emprego” expõe Aline.
Além de uma só Agência, o Morro da Cruz também possui somente uma creche pública. Isso acontece porque muitas outras não conseguem se conveniar à SMED devido às rigorosas exigências que não correspondem à realidade local. “Eles querem que as creches tenham duas portas, planos contra incêndio, plantas arquitetônicas… São coisas fora da realidade do Morro que inviabilizam a formalização”, explica Lucia.
O Centro Infantil Primeiros Passos é uma dessas que, portanto, é considerada particular – cobra R$250 de mensalidade das famílias que podem pagar. Sob o comando de Karen Borges da Rosa, o local sobrevive de doações, entre as quais está um dos nossos computadores. Segundo a antropóloga: “Com ele, a Karen conseguirá se organizar melhor, fazer a ficha das crianças, registros, dar recibos de pagamento, entender quanto ela gasta por mês com a creche, etc. Também quero ajudar para que o Centro entre no Conselho Municipal da Criança e do Adolescente, processo que é todo online“, comenta.
“Hoje eu tenho 22 crianças matriculadas, 14 pagantes. Mas tem dias que atendo até 35 crianças, pois algumas mães, quando conseguem faxina ou algum bico, deixam os pequenos aqui. Elas contribuem com alguma comida, quando podem. Para organizar isso o computador vai ser muito útil. E também para ajudar nas atividades dos alunos, jogos”, conta Karen.
Os equipamentos que doamos para o Morro da Cruz têm a função de oportunizar: o conhecimento, a aprendizagem, o desenvolvimento. Eles auxiliam na formação, na expansão do trabalho, na organização e proporcionam acesso a serviços e a atividades, facilitam o exercício da cidadania e promovem inclusão social.
Como Empresa, entendemos que o nosso dever vai além de produzir produtos digitais qualificados e que precisamos contribuir para tornar o mundo um lugar melhor para todos. Sabemos que ainda há muito para ser feito e que a luta contra a desigualdade social é longa. Mas estamos decididos a continuar investindo para transformar vidas e democratizar cada vez mais a tecnologia.
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