O momento de pandemia global tem sido um grande experimento para a humanidade: profissionais dos mais variados segmentos estão enfrentando desafios relacionados à adaptabilidade e, na área da tecnologia, não é diferente. Para refletir sobre esse cenário, Leticia Machado, Product Owner da SoftDesign, professora e pesquisadora, apresentou na última edição do SoftDrops* os resultados da pesquisa Experiência dos Profissionais de Tecnologia durante a Crise Covid-19 Sob a Lente de Gênero. O estudo foi realizado em conjunto com os pesquisadores Clara Caldeira, Marcelo Gattermann Perin e Cleidson de Souza.
O objetivo da pesquisa foi compreender se as mudanças na natureza do trabalho profissional e remoto, ocasionados pela pandemia Covid-19, tiveram implicações na desigualdade de gênero. Ou seja, será que homens e mulheres viveram essa migração (e seus impactos na vida profissional e familiar) da mesma forma?
De acordo com Leticia, a necessidade de investigar esse cenário surgiu logo no início do isolamento social, em abril de 2020. Para isso, a pesquisa contou com a participação de 400 pessoas, para perceber o impacto da pandemia no bem-estar dos profissionais, considerando questões de gênero.
No artigo Remote Working Isn’t the Same as ‘Working From Home’. Here’s the Difference and Why It Matters to Your Business, Jason Aten (2019) ressalta que o trabalho remoto não é a mesma coisa que trabalhar de casa durante uma pandemia. “Um é considerado um benefício, enquanto o outro é simplesmente uma forma de trabalhar. Home Office é uma situação temporária, enquanto o trabalho remoto possui uma abordagem totalmente diferente”, explica.
Com essa ideia em mente, Leticia e os demais pesquisadores concluíram que para a área de tecnologia, trabalhar de forma distribuída geograficamente, com diferentes plataformas, equipes, time zones e culturas, de fato não é uma grande novidade. Entretanto, esse trabalho sempre foi desenvolvido em condições normais de temperatura e pressão. Ou seja, no contexto pandêmico, onde o isolamento social foi uma das formas utilizadas para reduzir a curva de contágio, os seus impactos foram experienciados de maneiras diferentes. Sendo assim, estudar a crise de diversidade dentro do desenvolvimento de software é algo necessário tanto para a academia quanto para o mercado de trabalho.
Antes de ir a campo, o time de pesquisadores estruturou suas hipóteses e questões seguindo o Framework Distance Matters – muito conhecido na área de sistemas colaborativos. A metodologia desenvolvida por Olson & Olson (2000) considera cinco aspectos importantes:
A Product Owner da SoftDesign, destaca que esse framework foi utilizado para entender como atingir o sucesso na colaboração distribuída. “Usamos essa teoria para criar as perguntas da pesquisa desenvolvida. É fundamental questionar-se como funcionava a distribuição da colaboração quando não estávamos em crise e como passou a ser esse comportamento durante o distanciamento social. Além disso, é importante considerar fatores como ansiedade, medo, insegurança e as perdas oriundas da pandemia de Covid-19”.
Fonte: Imagem produzida pelos autores do artigo.
Segundo Leticia, a gestão organizacional foi extremamente importante devido às rápidas mudanças do mercado. “Estou muito feliz de fazer parte de uma empresa que reagiu de uma maneira muito positiva às giradas de chave da pandemia de Covid-19, e que aplica recomendações importantes para conduzir um trabalho sustentável à distância, respeitando o isolamento social”, ressalta.
Ao utilizar o Framework Distance Matters, os pesquisadores descobriram que futuramente, talvez seja necessário adicionar um sexto elemento: Prontidão para a Crise. Para isso, é preciso desenvolver mais estudos, pesquisas e experimentos que validem essa hipótese. Mas, afinal, o que vem a ser a Prontidão para a Crise? É responder rapidamente às mudanças do mundo, é sobre como as organizações se comportam frente a situações de crise, sobre a capacidade de se organizar (auxílio em infraestrutura física e psicológica) e a capacidade dos colaboradores em se adaptarem a essas práticas e processos.
O estudo revelou que durante a pandemia, as organizações passaram a se empenhar mais na criação e disponibilização de incentivos aos colaboradores, com o objetivo de promover o engajamento do time (por exemplo, happy hours virtuais). Nessa crise em específico, as empresas enfrentaram menos desafios tecnológicos, já que muitas delas já trabalhavam de maneira distribuída antes da Covid-19. Sendo assim, sofreram menos.
Os times reportaram menos interrupções e descreveram os colegas como mais colaborativos. Porém, ao analisar o indivíduo, identificou-se que os desafios com o entendimento comum reduziram. Além disso, constatou-se pouca diferença no acoplamento do trabalho e diferenças consideráveis na experiência do trabalho remoto pré-pandemia de Covid-19 e isolamento social.
A pesquisa aplicada em 2020 contou com a participação de mais de 400 pessoas, sendo 233 profissionais de TI de todo o Brasil (64% homens e 36% mulheres). A coleta de dados teve início após os primeiros 40 dias do isolamento (abril de 2020), e analisou os aspectos que influenciavam o bem-estar durante a pandemia de Covid-19.
Mas, afinal, como a Prontidão para a Colaboração impacta a rotina de homens e mulheres? Para responder a essa pergunta, foram aplicadas pesquisas quantitativas e qualitativas, capazes de produzir uma análise estatística.
Fonte: Artigo IEEE, Machado et al. 2021.
De acordo com Leticia, os dados apontam que houve sim uma sobrecarga para as mulheres, devido à cultura do cuidado, que engloba não somente os filhos, mas também os idosos e familiares. “A mulher acabou sendo mais penalizada durante a pandemia e isso se dá, entre tantos motivos, por questões como, por exemplo: licença paternidade de cinco dias X licença maternidade de quatro meses. Esses direitos diferentes deixam claro de quem é a responsabilidade do cuidado. Por isso, para evoluir como sociedade precisamos repensar desequilíbrios como esse. Gênero, raça e parentalidade são questões que impactam muito na pandemia. Estamos vivendo um retrocesso que precisa ser impedido de alguma forma”, alerta.
Para os homens, as interrupções afetam o bem-estar e estão relacionadas ao barulho e ao fato de não haver um espaço específico em casa para trabalhar. Para eles, os incentivos organizacionais tiveram um impacto positivo: recebimento de equipamentos, kits para happy hour e disponibilização de cadeiras ergonômicas, por exemplo.
Já para as mulheres, as interrupções afetam o bem-estar pois estão relacionadas às responsabilidades com os filhos e a casa. Para elas, os incentivos organizacionais não tiveram um impacto significativo, visto que os benefícios estavam mais alinhados as necessidades dos homens. Logo, as atividades extracurriculares, como happy hours, foram consideradas como uma sobrecarga às tarefas realizadas na rotina diária.
Para a pesquisadora Margaret Burnett (2020), “este não é um problema de mulheres, é um problema de engenharia de software”. Ou seja, precisamos observar o contexto da tecnologia e colocar em prática ações que possam contribuir para um melhor ambiente de trabalho para homens e mulheres. Sendo assim, o estudo Experiência dos Profissionais de Tecnologia durante a Crise Covid-19 Sob a Lente de Gênero, estabelece importantes recomendações para as empresas:
*O SoftDrops é um evento de troca de conhecimento que acontece às quartas-feiras, na SoftDesign. A cada edição, um colaborador expõe aos colegas algum tema de seu interesse, relacionado aos três pilares do nosso negócio: design, agilidade e tecnologia. A minipalestra dura em torno de trinta minutos e é seguida por um bate-papo entre os participantes.
29 de outubro de 2024
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18 de outubro de 2024